PAIXÃO POR ANTIGOS

Fernando R. Ferro
Ter um carro antigo não tem nada a ver com razão. É apenas uma questão passional. Nada mais. Quem quiser aceitar, que aceite. Se não, não tente entender também. A razão para gostar de um antigo pode ser absolutamente fútil. Por exemplo, o cheiro. Conheço gente que é apaixonada pelo cheiro do vinil do banco dos Volkswagen antigos. Outros, pelo cheiro dos Chevrolet. Realmente, antigamente os carros tinham um cheiro particular em cada marca. Hoje a coisa é mais ou menos homogênea, um genérico cheiro de carro novo.
Talvez aquele odor tenha despertado um bom sentimento da infância da pessoa, uma boa recordação ao lado do pai ou do avô que já faleceu, e estar perto daquele automóvel antigo faça seu cérebro ativar estas conexões e liberar endorfina ou algo assim. Um carro novo é sempre uma promessa; um carro antigo, um mundo de recordações.
Outro aspecto dos antigos que é muito diferente dos novos é o ronco do motor. Cada carro soava diferente. Um Fiat tinha som de Fiat. Um Volks soava como Volks e assim por diante. Ninguém confundia um V8 da Ford com o seis em linha da GM. Tampouco os 4 cilindros boxer da VW com o da Fiat, em linha, sedento por altas rotações. Até o modo de andar era próprio de cada carro.
Eu, como alguns sabem, tenho uma queda por Fiat. Desde cedo. Acho que minha primeira paixão foi um 147 branco, 82 ou 84, não me recordo exatamente, no qual aprendi a dirigir. Tinha uns 12 anos na época, mas lembro bem, até hoje, do som do motor, nas rodas de liga leve, do câmbio duro e do volante pequeno e inclinado. Era um modelo Europa. Foi trocado por um Del Rey. Meus pais, obviamente, gostavam muito mais do Del Rey. Mas este nunca me despertou nenhuma empatia, ao contrário do pequeno Fiat.
Quando fui comprar  meu primeiro carro, comprei um Fiat Tipo, 1994. Era meu carro dos sonhos quando garoto. Quando o comprei, meu sonho era o Brava, preferencialmente um HTG vermelho. Eu gostava muito do meu Tipo, apesar dele ser como um cachorro malcriado. Deu-me vários problemas, até que o troquei. Foram-se os problemas, ficou a saudade. Demorei alguns anos até retornar à Fiat, mas voltei em grande estilo, com um Bravo vermelho. Mas toda vez que passa por mim na rua um 147, ou vejo um anúncio na internet, sinto o coure bater mais rápido e uma vontade louca de pegar o talão de cheque e arrumar uma briga em casa.
A motivação, obviamente, não tem nada de racional. É pura paixão. Movido assim, comprei uma vez um Opala 1978 amarelo. O carro tinha mais ferrugem que lataria, mas ainda assim era um Opala. E amarelo. Apesar do péssimo estado de conservação, eu gostava do carro. Era macio para andar. Tinha um ronco agradável, apesar de ser um quatro cilindros. No fim de semana, eu mesmo tentava regular o carburador. Passava horas procurando peças na internet. Visitava lojas de auto-peças e conversava com latoeiros sobre orçamentos para uma reforma.
Aos poucos, percebi que o conserto sairia muito mais caro do que eu poderia pagar. Teria que investir mais de quatro, talvez cinco ou seis vezes o que havia pagado no carro para poder tê-lo como eu queria. Um dinheiro que obviamente eu não poderia gastar. Assim, vendi o Opala amarelo. A pessoa que comprou foi motivada, assim como eu, pelo mesmo desejo de tornar o carro algo pessoal. Talvez um sonho, uma recordação, algo certamente especial para ele. Mas é assim nossa relação com automóveis antigos.  


Um dia, quando eu tiver menos despesas, gostaria de retomar esta relação. Se puder, quero ter um Fiat 147 branco, modelo Europa e um Opala, de preferência um dos anos 1980. É a vida. Sonhos que nos levam adiante. Penso em que carros meu filho irá se apegar. Será que o carro que lhe despertará lembranças será o Bravo vermelho que lhe tirou da maternidade? Ou será o Fox branco com que tantas vezes eu o levei e busquei na escolinha? Ou será que, fruto de uma nova geração, ele não dará a mínima para motores a combustão interna, pneus e odores de plástico, espuma e carpete? Espero estar lá para descobrir se a paixão pelos autos passa de geração em geração.

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