MUDAR PARA PERMANECER IGUAL

Por Fernando Ferro
No competitivo mundo dos automóveis, a mudança tem sido o mote desde sempre. Poucos fabricantes mantiveram-se fiéis a determinadas fórmulas por muito tempo, evitando a mudança. Parece, ao menos tem sido assim, que o consumidor de automóvel é um sujeito ousado, ávido por inovações. No entanto, sendo o automóvel um produto tão caro, que exige um esforço tão grande para aquisição, manutenção, e toma parcelas significativas do orçamento familiar, não me parece que seja o caso de tratar o consumidor como um ousado apostador. Ao contrário: o comprador manifesta-se, na maior parte das vezes, como um rabugento conservador.
A marca que melhor percebeu isso no Brasil, e de certa forma no mundo, é a Volkswagen. O Fusca, VW sedan, Beatle, ou qualquer de suas múltiplas encarnações, permaneceu no mercado sem alterações significativas por mais de 50 anos desde seu aparecimento até sua aposentadoria. Apesar disso, incorporou inovações significativas ao longo de sua carreira, muito maiores que, por exemplo, a maioria dos produtos vigentes no mercado incorporam entre uma geração e outra. Um exemplo é o sistema elétrico de 12 volts, que no começo era de apenas 6 volts.
Fusca Itamar 1994
Fusca 1973 1302
Gol "Quadrado" - Mais parecido com o
Gol abaixo que os dois fuscas acima
entre si.
Outro foi adoção da suspensão dianteira no sistema Mcpherson na dianteira e com braço semi-arrastado na traseira em 1970, inovação que não foi trazida ao Brasil, mas esteve no Fusca alemão e mexicano. Esta alteração permitiu mais espaço interno e segurança e além de ter reduzido o diâmetro de giro, aumentou o tamanho do tanque de combustível, implantou um novo sistema de ventilação interno apesar de ter sido imperceptível para quem olhava do lado de fora. No fundo, as diferenças eram maiores do que entre o Gol de 1994 e o de 1995, conhecido como “Bolinha”, que tinham a mesma suspensão, motor, sistema elétrico, chicote e disposição dos componentes. Mas o desenho é totalmente diferente.
Gol Bolinha 



Na linha VW podemos observar ainda o Golf. O modelo pouco mudou entre seu lançamento e a geração atual no sentido de manter uma identidade de design. Obviamente, se o original de 1978 estivesse ainda em produção, suas vendas seriam, certamente, pífias. No entanto, em termos estéticos, o modelo atual ainda guarda semelhanças, sem ser retro. A passagem de uma geração a outra é gradual, e o dono de um sente-se a vontade no outro. Isto mostra a vontade consciente da VW de conservar entre uma geração e outra aquilo que o cliente aprecia no carro.
A questão toda é: se o cliente está satisfeito, por que mudar? De certa forma, a mudança ocorre por duas razões: a primeira é porque é necessário continuar vendendo carros. Se ninguém trocar de carro, as fabricas fecharão. Por isso as novidades devem ser incorporadas. Outra razão, é a inovação: novas tecnologias são incorporadas de tempos em tempos: o air-bag e o ABS são exemplos. Antes raros, hoje são itens obrigatórios. As sucessões geracionais servem, muitas vezes, para a apresentação e novas tecnologias.
Assim, muitas fábricas preferem inovar no produto onde o consumidor não vê, mas tem um ganho real em benefício. Um exemplo era o que a Fiat fez com o Uno e agora vem fazendo com o Palio da primeira geração. Agregam-se itens, melhora-se mecânica ou esteticamente o produto, de modo que, ao longo de 10 ou 15 anos, ele acaba guardando poucas semelhanças técnicas com o original. As mudanças são graduais, mas constantes.
Atualmente, os dois maiores fabricantes do Brasil vivem dilemas em suas linhas relacionados a seus produtos: Fiat e VW. Na Fiat o problema é menor: como atualizar o Punto, apesar de ser um problema mundial, não representa um grande volume de vendas no Brasil. Mas devemos lembrar que o Punto, já com 10 anos de mercado, foi carro que salvou a Fiat da crise em 2002. A VW vive um drama com o Gol: sem ser um produto global, sua aceitação é boa apenas no Brasil, e mesma aqui suas vendas declinaram muito neste ano de 2014, a ponto de perder a liderança de mercado.
No caso da Fiat, minha proposta seria fazer uma nova geração do Punto conservando tudo que pudesse do atual em matéria de design, mudança onde o consumidor não vê: aços mais rígidos e leves, suspensão independente na traseira, mas espaço interno, mas segurança em crash-test, motores mais eficientes, e uma boa repaginada no interior, tornando mais arejado, limpo e confortável, já que o atual é um tanto claustrofóbico.

No caso VW, a solução é mais complicada: pode-se adotar a mesma estratégia, melhorando o Gol atual, tornando-o um carro melhor. Sem fazê-lo crescer, melhorar o espaço interno, a segurança passiva, a qualidade dos materiais de construção e os motores. Outra opção é pegar um produto da prateleira global, por exemplo, o Polo,  e colocar nele a etiqueta Gol, e vende-lo no mercado interno. Esta opção, apesar de parecer mais sensata, representa um risco: será o Polo capaz de aguentar o tranco que o Gol aguenta na mão dos brasileiros? Há de se fazer testes para ver. O fato é que, para continuar como está, tanto a Volkswagen como a Fiat vão ter que mudar.

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